TEMA
05: POLÊMICA PESQUISA
DO IPEA (INSTITUTO DE PESQUISA ECONÔMICA E APLICADA)
65%
DOS BRASILEIROS ACHAM QUE MULHER DE ROUPA CURTA MERECE SER ATACADA
Resultados
assustaram até autores do estudo do IPEA; retrato da vítima de violência sexual
indica ainda que mais da metade das vítimas tinha menos de 13 anos e há casos
de estupro coletivo.
FONTE:
ESTADÃO/BRASIL. 27 de março de 2014 | 15h 03
ERRATA:
A
rigor, a publicação da errata não traz grandes consequências práticas, já que
se trata de uma pesquisa de opinião. No entanto, é imprevisível que efeitos
podem ter sobre a percepção nacional, dada a dimensão que o levantamento
atingiu na última semana.
O
erro, por exemplo, afetou a imagem do Brasil no exterior: jornais e revistas
das maiores economias do planeta repercutiram a informação, que ficou tachada
como símbolo do grande machismo da sociedade brasileira.
A
presidente Dilma Rousseff se manifestou
no Twitter,
dizendo que a “pesquisa do IPEA mostrou que a sociedade brasileira ainda tem
muito o que avançar no combate à violência contra a mulher".
Já
a jornalista Nana Queiroz, de Brasília, começou a campanha
#naomereçoserestuprada, em que mulheres tiraram fotos, normalmente tampando os
seios, com a frase titulo do movimento. Foram milhares de adesões nas redes sociais.
"Vimos
a público pedir desculpas e corrigir dois erros nos resultados de nossa
pesquisa Tolerância social à violência contra as mulheres, divulgada em
27/03/2014. O erro relevante foi causado pela troca dos gráficos relativos aos
percentuais das respostas às frases Mulher que é agredida e continua com o
parceiro gosta de apanhar e Mulheres que usam roupas que mostram o corpo
merecem ser atacadas. Entre os 3.810 entrevistados, os percentuais corretos
destas duas questões são os seguintes:
LINHA
DE ARGUMENTAÇÃO:
No
discurso, o brasileiro tende a condenar veementemente a violência, física ou
psicológica, mas ainda tem dificuldades em dissociar essa violência de um
conjunto de normas socialmente aceitas. Essa dificuldade se revela sobretudo
quando o tema é violência sexual. A diferença de postura de
tolerância/intolerância à violência doméstica e à violência sexual, dizem os
pesquisadores, reafirma a dificuldade de se estabelecer no Brasil uma agenda de
direitos sexuais.
“Por
maiores que tenham sido as transformações sociais nas últimas décadas, com as
mulheres ocupando os espaços públicos, o ordenamento patriarcal permanece muito
presente em nossa cultura e é cotidianamente reforçado na desvalorização de
todas as características ligadas ao feminino, na violência doméstica, na
aceitação da violência sexual”, conclui o estudo. "Causa espanto observar
que 65% das pessoas que responderam à pesquisa concordam com a afirmação, nem
um pouco sutil, de que 'mulheres que usam roupas que mostram o corpo
merecem ser atacadas.'"
Segundo
os pesquisadores, a culpabilização da mulher pela violência sexual fica
evidente quando, por exemplo, 58% dos entrevistados dizem concordar
"totalmente" com a afirmação de que ela só é vítima de agressão
sexual por não se comportar de maneira adequada. “Por trás da afirmação está a
noção de que os homens não conseguem controlar seus apetites sexuais; então, as
mulheres, que os provocam, é que deveriam saber se comportar, e não os
estupradores. A violência parece surgir como uma correção: ela merece e deve ser
estuprada para aprender a se comportar. O acesso dos homens aos corpos das
mulheres é livre se elas não impuserem barreiras, como se comportar e se vestir
‘adequadamente’”.
CONCLUSÃO:
Toda mulher quer se casar. Esse retrato não surge
do nada. Tem como base a aceitação de um modelo que coloca o homem “referência”
em todos os espaços sociais. Nesse modelo, são os homens que detêm o poder
público e o mando sobre o espaço doméstico - e sobre os corpos e vontades das
mulheres.
Essa
ideia fica evidente, por exemplo, quando 64% dos entrevistados dizem que “os
homens devem ser a cabeça do lar” ou quando 79% afirmam que “toda mulher sonha
em casar”.
Parecem
frases inofensivas, mas não são. Por trás das afirmações, apontam os
pesquisadores, está a ideia de que a mulher somente pode encontrar a plenitude
em uma relação estável com um homem – ou que deve ser recatada sem almejar uma
vida de solteira com muitos parceiros. Essa ideia, segundo o estudo, tem
influência marcante da religião: católicos têm chances 1,5 vez maior de
concordar com a afirmação de que toda mulher sonha em casar, e os evangélicos,
1,8. O índice cai, no entanto, entre grupos mais escolarizados. “Aqueles que
consideram o homem como 'cabeça do lar' têm propensão maior a achar que a
mulher é responsável pela violência sexual”, escrevem os autores.
Há
uma tendência, no entanto, de discordar da ideia de que a mulher deve satisfazer
as vontades do marido – o índice dos que refutam essa ideia (65%) é maior do
que o de quem a aceita total ou parcialmente (41%). “Essa afirmação coloca
subliminarmente a delicada questão do estupro no âmbito do casamento, um tabu
resultante do confronto entre os comportamentos e desejos sexuais femininos e
masculinos.”
A
conclusão dos pesquisadores é que, de maneira geral, há hoje uma dificuldade em
admitir posturas mais toleráveis à violência de gênero. "Resta saber se as
práticas também seguem esse movimento, e os indícios parecem apontar que
não."