MAL MENOR
REINALDO AZEVEDO
No
post anterior, informa-se que o Parlamento britânico, prudentemente, negou-se a
dar uma autorização ao governo para participar de um ataque miliar à Síria. A
rigor, David Cameron poderia mandar as forças britânicas numa espécie de
expedição punitiva, mas preferiu ter a chancela do Parlamento — e não foi
bem-sucedido. Como se vê, a questão é bem menos simples do que faz crer certa
imprensa. E, desde o primeiro dia, tenho chamado a atenção de vocês para essa
complexidade. Raramente fui tão criticado por aquilo que não escrevi — e eu
jamais sugeri (afirmar então…) que Bashar Al Assad é alguém em que se deva
confiar. Não! É um carniceiro. Ocorre que, entre dois males, quando inexiste uma
terceira opção, a única escolha ética e moralmente aceitável é o mal menor.
Escolha, note-se bem, não para um engajamento na causa desse mal menor. Isso
nunca!
Também
o Parlamento britânico tem fundadas dúvidas se foram mesmo as forças de Assad
que determinaram o ataque químico. A ONU ainda não tem as provas — os EUA dizem
que já fizeram a sua própria investigação e concluíram que sim. Já vi “provas
irrefutáveis” sendo desmoralizadas depois. Como esquecer o caso de Richard
Goldstone (leia aqui), que fez um relatório condenando Israel no
caso da incursão em Gaza, admitindo, mais tarde, o erro?
Assad
é carniceiro, mas não é burro. Pode até ser que gente da sua laia tenha feito o
ataque, mas duvido que seja uma tática de guerra — ele sabia que esse era o
limite que poderia efetivamente derrubá-lo.
O
tirano, infelizmente para os sírios e para o Oriente Médio, ainda é o mal menor
no país. Seus adversários armados — e que não vão entregar as armas se ele cair
— são os terroristas da Al Qaeda, são os jihadistas. Se Assad for deposto, as
forças militares regulares vão se decompor. Os alauitas, que estão no comando,
vão dar o fora — ou correm o risco de morrer. Um arsenal químico — que, então,
os EUA e a Europa admitem existir — estará ao alcance dos terroristas.
O
país tem 90% de muçulmanos e 10% de cristãos — quase 2 milhões de pessoas. Mais
de 70% do total são sunitas. Os alauitas, que governam o país (minoria
muçulmana à qual pertence Assad), ficam em torno de 10% também. Os principais
grupos terroristas que atuam hoje no país são sunitas e incitam o ódio contra
as duas outras comunidades. Os cristãos, particularmente, já enfrentam um clima
de terror.
Assim,
a queda de Assad não traz consigo apenas o risco de o país ficar à mercê dos
terroristas — a menos que Obama esteja disposto a ter o seu próprio Iraque; há
também o perigo de uma guerra religiosa. Os cristãos ficarão entre a fuga em
massa e a perseguição implacável dentro do país. Aqui e ali são censurados
porque dariam apoio ao ditador. Não é bem assim: estão entre Assad, que sempre
lhes garantiu a necessária segurança, e o jihadismo, que os quer mortos ou fora
da Síria. Qual seria a sua escolha, leitor?
Isso,
obviamente, não implica que Assad possa sair por aí usando armas químicas e
matando quem lhe der na telha porque, afinal, o terror seria muito pior. Se
usou ou autorizou as tais armas, alguma sanção há de haver. Derrubá-lo, no
entanto, para garantir que seus atuais adversários cheguem ao poder seria uma
prova de estupidez.
Autorização
da ONU para atacar, enquanto China e Rússia não mudarem de ideia, os EUA não
terão. A Grã-Bretanha, por enquanto, ficará fora de uma possível intervenção.
Isso é muito menos do que foi concedido à Otan no ataque à Líbia.
Obama,
nesse caso, junta imprudência e hesitação. Por imprudente, seu governo anuncia
ter as provas; hesitante, não quer atacar sozinho — ou fora de um arco mais
amplo. A ação, dizem os EUA, não é para derrubar Assad. Mas, se não é, então
serve a que propósito que não seja a ainda mais sofrimento? A confusão
encontraria uma solução natural se, do outro lado, houvesse ao menos forças
aptas a participar do concerto internacional. Ocorre que estamos falando de
terroristas.
Creio
que a maioria do Parlamento britânico andou operando com os mesmos critérios
que me pautaram até aqui.